quarta-feira, novembro 08, 2006

A Versailles


Em muitas cidades europeias, a tradição de almoçar em cafés leva mais de cem anos. Em Lisboa também foi assim. Uso o pretérito com intenção: os cafés desapareceram na voragem das agências bancárias e das manjedouras inox. Sobraram quantos? Quatro? Seis? Um deles é a Versailles, casa que a generalidade das pessoas refere como pastelaria. Hoje, conseguir mesa para almoçar na Versailles é mais complicado do que ir ao Pap’Açorda numa sexta à noite. Não é boutade, é factual. E manda a verdade dizer que se justifica plenamente. Então porquê? Porque, numa cidade cheia de restaurantes que dão muita importância ao décor e pouca ou nenhuma à cozinha, praticando preços ao nível das melhores moradas de Paris e Nova Iorque, e oferecendo, em contrapartida, serviço idêntico ao praticado (presumo eu) no Afeganistão e no Burkina Fasso, a Versailles evidencia um saber fazer que só não é decalcado do Gambrinus e da Varanda do Ritz por questões de assumido low-profile. É verdade que o staff da Versailles está habituado a gente conhecida, mas trata por igual eminentes intelectuais e políticos, o par anónimo de namorados que vai curtir o batido, as senhoras do Ancien Régime que assentam arraiais a partir do meio da tarde, bloquistas azougadas e turistas de passagem. Falando agora de coisas práticas. De segunda a sexta-feira, ao almoço, existe prato do dia (a 9 euros). A hora do almoço é animada, a do jantar melancólica. Mas para quem tem de ir a espectáculos que começam às 21h, e fica impossibilitado de jantar a horas decentes, ali tem a certeza de ficar despachado em três quartos de hora. A garrafeira não é emocionante, nem podia ser, porque o vinho mais caro não ultrapassa 25 euros. Vinho a copo custa 1,5 euros. Pode-se pedir champanhe a qualquer hora, isso há. Os bifes altos são os melhores de Lisboa: servem-se em quatro versões, todas a 19 euros cada, com acompanhamento à escolha do cliente. Os bifes baixos, vulgo pregos, são honestos: custam 10 euros no prato, com acompanhamento; ou 7 euros no pão (ao balcão é mais barato). O preço médio dos outros pratos é de 12 euros. Quando há, uma posta de 300 gramas de garoupa do alto custa 15 euros, que é também o que se paga por uma dose generosa de espadarte fresco grelhado. Os apreciadores de peixe encontram, todos os dias, linguado, robalinhos, douradas, corvina e lulas. No Inverno, ao domingo, é dia de cabrito. Além de famosos, os croquetes são excelentes: uma dose de 4, com acompanhamento, custa 7 euros. As chamuças, pequeninas, são iguais às que se podem comer em Moçambique. Não há sobremesas mirabolantes: à pastelaria da casa — a melhor da cidade, opinião corroborada pelo júri da VEJA —, que inclui toda a sorte de bolos e tartes à fatia, junta-se fruta de qualidade. Dependendo das escolhas, o preço médio de uma refeição, para duas pessoas, oscila entre 26 e 39 euros. Mas quem ficar na linha do croquete ou do prego, mais água ou cerveja, e café no fim, come por menos de 11 euros, couvert incluído. O site da Versailles mantém desactualizados alguns preços da ementa. A Versailles está aberta todos os dias da semana, das oito da manhã às onze da noite: serve almoços das 12:00h às 16:00h e jantares das 19:00h às 22:00h. Não fecha para férias. Nos dias 23 e 24 de Dezembro, as mesas dão lugar a um bufete onde toda a Lisboa se abastece da doçaria associada à quadra: Bolo Rei (o melhor da cidade; disponível a partir de Outubro), bolo inglês, sonhos, broas variadas, formigos, rabanadas, fritos de abóbora, coscorões, filhós tendidas, a panóplia dos doces de ovos, etc. Por encomenda também há peru recheado. Nesses dois dias, o balcão assegura o serviço de refeições. No dia de Natal, a Versailles não abre portas. Na Páscoa, o bufete é mais modesto, só afecta as oito mesas do canto à esquerda de quem entra. Mas o corropio social é o mesmo. Por falar em social... A lista dos habitués é extensa, e qualquer observador atento tropeça em personagens tão diferentes como Armando Silva Carvalho, Carlos Nogueira, Carlos Veiga Ferreira, Eduardo Pitta, Eduardo Prado Coelho, Fernando Pinto do Amaral, Fernando Rosas, Gastão Cruz, Inês Pedrosa, João Pereira Coutinho, Jorge Molder, Manuel Maria Carrilho, Maria Filomena Molder, Nuno Júdice, Sofia Aparício, etc. Há poucos anos podia ver-se por lá o clã Soares. Estabelecida desde 25 de Novembro de 1922 num edifício classificado da Avenida da República, a cerca de cem metros da Praça do Saldanha, com metro à porta, a Versailles é um marco de Lisboa.

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